Para esclarecer o conceito, aplicação e características da rescisão indireta do contrato de trabalho, há que se elucidar, primeiramente, o instituto de contrato de trabalho, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Conforme artigo 442, da CLT, contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
Os “personagens”’ desta relação empregatícia são o empregador e o empregado, e conforme explicitam os artigos 2º e 3º da CLT:
Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Existem várias formas de extinguir esta relação empregatícia, mas hoje vamos enfatizar a extinção do contrato de trabalho por motivos de falta grave da empresa/ empregador, a RESCISÃO INDIRETA.
RESCISÃO INDIRETA – FALTA GRAVE DO EMPREGADOR
As situações listadas no artigo 483 da CLT caracterizam a rescisão indireta, onde é necessário que o empregador tenha cometido falta grave, a chamada justa causa patronal, tornando inviável a manutenção da relação empregatícia.
Conforme o artigo 483 da CLT, o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrário aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
A iniciativa de rescindir o contrato de trabalho é do próprio empregado, o qual ajuíza reclamação trabalhista visando o reconhecimento judicial da justa causa para o empregador. O empregado deve apresentar os motivos ensejadores da dispensa indireta, permanecendo ou não no serviço até o final da decisão do processo.
Os motivos podem ser caracterizados como descumprimento de obrigações pela empresa, gerando prejuízos para o empregado de ordem econômicas, física ou moral, podendo ser requerida a indenização por danos morais.
Os prejuízos de caráter econômico e natureza alimentar mais comuns são:
- atraso costumeiro e frequente no pagamento dos salários dos empregados: o atraso ou falta de pagamento salarial pode ocorrer em meses seguidos ou alternados, de maneira contumaz;
- falta de antecipação do pagamento das férias;
- recolhimento irregular do FGTS ou o não recolhimento do FGTS;
- rebaixamento de função e salário: inclusive empregado que assume tarefas de outros ex-empregados de salários maiores, logo que são demitidos, e que após são mandados a retornar ao cargo de origem sem receber salário de substituição;
- descontos no salário do trabalhador do valor relativo ao vale-transporte, mas sem a entrega do mesmo;
- Se o empregado trabalha por peça, tarefa ou comissão e o empregador as reduz unilateralmente, afetando substancialmente a remuneração.
Conforme artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal é vedada a redução salarial, salvo se pactuado em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Mas desde que não seja prejudicial ao empregado.
Já os prejuízos de caráter físico e moral são:
- ocorrência de assédio moral e sexual;
- ofensas verbais e físicas: empregado e empregador não poderão se ofender fisicamente um ao outro, ainda que fora do ambiente da empresa, salvo se for em legítima defesa. E se o empregado sofre uma agressão física e para se defender acaba agredindo o empregador, ainda assim poderá pleitear a despedida indireta pela falta grave cometida pelo empregador, exceto se a agressão praticada pelo empregado em sua defesa for desproporcional à agressão sofrida;
- discriminações sociais, etnicas, raciais, religiosas, homofóbicas, etc;
- exigência de trabalho com rigor excessivo;
- exposição do empregado a situações vexatórias: revistas íntimas e visuais que podem gerar constrangimento;
- desempenho de obrigações incompatíveis com a continuação do serviço.
Entre outros casos prejudiciais verificados pela justiça do trabalho.
Assédio Moral:
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva, através de palavras, comportamentos ou atitudes, que de forma intencional e frequente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
Apesar do empregador ser superior hierárquico aos seus empregados, isto não lhe dá autoridade para tratá-los com rigor excessivo, falta de educação ou discriminação de qualquer modalidade.
Destaques:
O empregado que pleitear a despedida indireta deverá provar o ato grave e faltoso do empregador, seja através de provas documentais ou testemunhais.
Se comprovado, o empregado fará jus ao recebimento a todas as verbas rescisórias, como se fosse demitido sem justa causa.
Ressalte-se que é necessária uma declaração judicial de reconhecimento da rescisão indireta, portanto, só através de reclamação trabalhista.
Verbas rescisórias devidas na rescisão indireta:
a) saldo de salário, inclusive horas-extras e outros adicionais;
b) aviso prévio (inciso XXI do art. 7º da CF; art. 481 e art. 487, §4º, da CLT; art. 11 da Instrução Normativa SRT nº 15/2010);
c) salário-família (Lei nº 8.213, de julho de 1991, arts. 65 ao 68);
d) 13º salário;
e) férias proporcionais, férias vencidas, acrescidas de 1/3 (arts. 130, 146 e 147 da CLT; Instrução Normativa SRT nº 15/2010; Súmula do TST nº 328);
f) saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) acrescido da multa de 40%. Será exigido comprovante de recolhimento, na conta vinculada do trabalhador, dos depósitos do FGTS correspondentes ao mês da rescisão e ao mês imediatamente anterior à rescisão, que não houver sido recolhido, e 40% do total dos depósitos relativos à vigência do contrato, acrescidos de atualização monetária e juros (art. 18 e inciso I do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11.05.1990).Caso o empregador não efetue o referido depósito na conta vinculada, a homologação será feita com ressalva, relatando-se o fato no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT).
g) seguro-desemprego, devendo-se ressaltar que o objetivo do benefício do seguro-desemprego é prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, incluindo, neste caso, a rescisão indireta.
Jurisprudências:
TRT SP
Número do Processo
1000537-53.2014.5.02.0342
Documento
“A reclamada não nega em defesa a ocorrência de pagamento dos salários com atraso, o que… qualquer previsão legal que estabeleça que o atraso passível de rescisão indireta é aquele superior… motivos suficientes a ensejar a pleiteadarescisão indireta. Explicitou que o atraso e parcelamento…
Número do Processo
1002614-35.2013.5.02.0321
Documento
requisitos de admissibilidade. 2. Rescisão indireta e verbas devidas. A recorrente admite… básica do contrato de trabalho, atraindo a hipótese da rescisão indireta prevista no art… 483, ‘d’, CLT, motivo pelo qual deve ser mantida a rescisão indireta do contrato de trabalho, bem como o pagamento…
Número do Processo
1000660-41.2014.5.02.0604
Documento
defesa, a Ré confessou a ausência de depósitos do FGTS e o atraso no pagamento do décimo terceiro salário,… trabalho. Nesse mesmo sentido: “RESCISÃO INDIRETA. ATRASO NOS DEPÓSITOS DO FGTS E AUSÊNCIA… contratuais pelo empregador, tais como, o atraso nos depósitos do FGTS e o não pagamento de horas…
TRT RJ
0011480-92.2015.5.01.0002 – DEJT 17-10-2016
Ementa: RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. Demonstrado que a reclamada descumpriu suas obrigações contratuais, faz jus a reclamante à rescisão indireta do contrato de trabalho e, por conseguinte, às parcelas rescisórias daí decorrentes, nos termos do art. 483, “d”, da CLT.
0010398-19.2013.5.01.0027 – DOERJ 23-10-2014
Ementa: O tema da imediatidade realmente deve ser mitigado quando se cuida de rescisão indireta do contrato. Neste sentido, a se admitir a tese do Juízo de 1º grau, quanto mais intensas e longevas fossem as lesões perpetradas pelo empregador, menor seria a densidade de tais faltas, o que não tem a menorlógica. Declara-se, assim, a rescisão indireta do contrato de trabalho do empregado com base no artigo 483, d, da CLT.
TRT PE
Processo: 0000254-21.2016.5.06.0292Data de Julgamento: 03/05/2017
Ementa:
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO. DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DO CONTRATO. MORA SALARIAL. JUSTA CAUSA PATRONAL CONFIGURADA. Dentre as infrações empresariais previstas na CLT, a capitulada na alínea “d” do artigo 483 é a que interessa à solução do litígio instalado: “não cumprir o empregador as obrigações do contrato”. Sabe-se que a principal obrigação contratual do empregado é prestar os serviços para os quais fora contratado, em contrapartida, cabe ao empregador pagar com regularidade a prestação pecuniária ajustada. Sendo incontroverso o reiterado atraso no pagamento do salário do obreiro, há caracterização da referida justa causa patronal. RecursoOrdinárioimprovido.
Roberta S. P. Marques
OAB/SP 207.608