A Lei 13.281/16 trouxe expressivas mudanças no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Dentre as elas, uma das mais importantes foi a inclusão do artigo 165-A, que começou a vigorar em 1° de novembro de 2016, e se trata da recusa a submeter-se ao bafômetro. Assim diz o artigo:

Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:

Infração – gravíssima;

Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no §4º do art. 270.

Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.

Com a vinda da presente infração, os condutores, ao serem abordados em blitz policiais e, ao recusarem-se a soprar o bafômetro, estão sendo autuados com base no referido artigo, que entendo ser inconstitucional. Explico:

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXIII, instituiu o princípio nemo tenetur se detegere, cuja tradução seria: direito a não produzir provas contra si mesmo. Tal direito também está estampado na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), em que nosso país é signatário, e está descrita em seu artigo 8º, §2º, alínea g.

Para melhor entendimento sobre o referido Princípio, colaciono entendimento de Ferrajoli:

Nemo tenetur se detegere é a primeira máxima do garantismo processual acusatório, enunciada por Hobbes e recebida desde o século XVII no direito inglês. Disso resultaram, como corolários: a proibição daquela “tortura espiritual”, como a chamou Pagano, que é o juramento ao imputado; o “direito ao silêncio”, nas palavras de Filanfieri, assim como a faculdade do imputado de responder o falso; a proibição não só de arrancar a confissão com a violência, mas também de obtê-la mediante manipulação da psique, com drogas ou com práticas hipnóticas, pelo respeito devido à pessoa do imputado e pela inviolabilidade de sua consciência, a consequente negação do papel decisivo da confissão, tanto pela refutação de qualquer prova legal como pelo caráter indisponível associado às situações penas; o direito do imputado à assistência e do mesmo modo à presença de seu defensor no interrogatório, de modo a impedir abusos ou ainda violações das garantias processuais.” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. – pág. 560 – Sublinhado nosso)

Pois bem. A questão é a seguinte: Se eu tenho um direito constitucionalmente assegurado de não soprar o bafômetro, como posso estar sendo punido por exercer tal direito?

A resposta é a de que o artigo 165-A do CTB é inconstitucional. Ao instituir o princípio nemo tenetur se detegere, a Constituição Federal, que está acima de todas as leis brasileiras, assegurou àquele que se vê na iminência de incriminar-se impedir tal ato com a recusa de produzir prova contra si mesmo.

O artigo 165-A do CTB diz, expressamente, o contrário da Constituição Federal, tendo em vista a determinação de que: recusar-se a ser submetido ao teste é infração administrativa gravíssima, com implicação de multa e suspensão da CNH pelo prazo de 12 (doze) meses. O verbo da tipificação “recursar-se”, é nada mais do que o próprio exercício do direito constitucional, agora, mitigado pelo CTB.

Na prática, o condutor do veículo se vê encurralado. Ora, se optar por assoprar o bafômetro, estará produzindo prova que poderá ser utilizada contra si mesmo, ofendendo, por conseguinte, a Constituição Federal. Se optar pela recusa, estará cometendo infração de trânsito gravíssima e será penalizado.

Outro ponto é o de que, o bafômetro não é o único meio de constatação de embriaguez. Conforme o próprio CTB, o condutor que for alvo de fiscalização poderá ser submetido a teste (art. 277, caput), e tal infração também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade motora (art. 277, §2º). Veja-se que não há obrigatoriedade na utilização do bafômetro, já que, há outros meios para comprovação da embriaguez.

A Resolução n° 423/2013 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) elenca as provas que poderão ser utilizadas para a comprovação da alteração da capacidade psicomotora:

Art. 3º A confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência dar-se-á por meio de, pelo menos, um dos seguintes procedimentos a serem realizados no condutor do veículo automotor:

I – exame de sangue;

II – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência;

III – teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro);

IV – verificação dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor.

  1. Além do disposto nos incisos deste artigo, também poderão ser utilizados prova testemunhal, imagem, vídeo ou qualquer outro meio de prova em direito admitido.
  2. Nos procedimentos de fiscalização deve-se priorizar a utilização do teste com etilômetro.
  3.  Se o condutor apresentar sinais de alteração da capacidade psicomotora na forma do art. 5° ou haja comprovação dessa situação por meio do teste de etilômetro e houver encaminhamento do condutor para a realização do exame de sangue ou exame clínico, não será necessário aguardar o resultado desses exames para fins de autuação administrativa.

A própria legislação (artigo 277, §2°, do CTB) e o Contran (Resolução n° 423/2013) divergem com a redação do artigo 165-A, já que, determinam outros meios para a produção da prova da embriaguez. Se é possível a constatação da alteração da capacidade psicomotora por tantos outros meios de prova, não existe a obrigatoriedade do etilômetro e, consequentemente, não haveria motivo para punir a sua recusa.

Em razão da recente vigência da lei, ainda não há decisões sobre a temática em específico, entretanto, a recusa do bafômetro já havia sido protegida por decisões exaradas pelo Judiciário, sustentando a aplicabilidade do princípio nemo tenetur se detegere, citando o dispositivo constitucional que assegura tal direito. Alguns exemplos:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. TESTE DO BAFÔMETRO. RECUSA.  – O art. 277 do CTB dispõe que a verificação do estado de embriaguez, ao menos para cominação de penalidade administrativa, pode ser feita por outros meios de prova que não o teste do etilômetro. A despeito das discussões acerca do art. 277, §3º, CTB, a jurisprudência exige que a embriaguez esteja demonstrada por outros meios de prova, não podendo ser decorrência automática da recusa em realizar o teste. (TRF4, AC 5001367-22.2015.404.7106, TERCEIRA TURMA, Relator p/ Acórdão RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 12/05/2016)

 ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO. TESTE DO BAFÔMETRO. RECUSA. NECESSIDADE DE OUTROS MEIOS DE PROVA. ANULAÇÃO. O art. 277, caput e § 3º, do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação dada pela Lei n.º 12.760/12, dispõe que ao condutor que se recusa a realizar o teste do bafômetro serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no seu art. 165. A embriaguez deve ser demonstrada por outros meios de prova, não podendo ser atestada como decorrência automática da recusa do condutor de realizar o teste do etilômetro (“bafômetro”). Precedentes. (TRF4 5014123-06.2014.404.7201, QUARTA TURMA, Relatora p/ Acórdão VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 03/05/2016)

 ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO E NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO. ART. 165 E 277 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO. RECUSA EM FAZER O TESTE DO “BAFÔMETRO”. AUSÊNCIA DE SINAIS DE EMBRIAGUEZ. FALTA DE PROVAS. 1. Consta dos autos que a autoridade afirmou que a autuação ocorreu diante da recusa do autor em realizar o teste do etilômetro. A despeito das discussões acerca do art. 277, §3º, CTB, a jurisprudência exige que a embriaguez esteja demonstrada por outros meios de prova, não podendo ser decorrência automática da recusa em realizar o teste. 2. A antecipação de tutela deve ser concedida para que, até o julgamento final da ação, seja suspensa a penalidade de impossibilidade de uso da CNH, bem como a multa, no que se refere somente à infração prevista no artigo 277, parágrafo terceiro, c/c artigo 165, do CTB. (TRF4, AG 5001455-04.2016.404.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora p/ Acórdão MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 07/04/2016)

Por todo o exposto, concluo que o artigo 165-A, do CTB está em descompasso com a Constituição Federal, ferindo o direito da não-autoincriminação (art. 5º, inciso LXIII), já que, ao exercer tal direito, o condutor será punido na via administrativa.

A melhor maneira de buscar sanar tal ilegalidade é recorrer da infração, na via administrativa, caso esteja dentro do prazo, e posteriormente na via judicial. Para tanto, em ambas as situações, é sempre recomendado o acompanhamento de um advogado para o ingresso do recurso ou da ação judicial, visando a anulação da infração.

Thiago Kondo Sigolini

OAB/SP 390.953